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sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Dublin, escritores e Recife









Se fosse possível precisar a inveja, Dublin seria invejada pelos escritores que produziu. Chega a rondar o mistério o fato de uma cidade, que hoje tem cerca de 500 mil habitantes, ter 3 escritores na lista de premiados com o Nobel de Literatura: o poeta W. B. Yeats, Bernard Shaw e Samuel Beckett. Como se não bastasse, Dublin também viu nascer aquele que, para muitos, é o maior escritor do século XX, e que também encabeça a lista dos injustiçados pela Academia Sueca, James Joyce. Foi através dele que descobri Dublin.

Fui a Dublin pela primeira vez em 1998, mas a sensação que tive ao desembar na cidade foi a de quem está chegando a um lugar que lhe é familiar. Um sentimento de fácil explicação, já que aquela viagem era a realização de um sonho que dormira comigo durante 11 anos. Começou exatamente em 1987, quando li Dublinenses, a primeira publicação de Joyce. Dublin e os dublinenses estavam ali, e a cidade e seus personagens muito peculiares me cativaram. Eu morava no Recife, numa época em que não tinha grana nem pra pagar uma viagem de ônibus até Salvador mas, ao terminar a leitura do último conto, disse para mim mesmo: "um dia vou conhecer Dublin". E Dublin não me decepcionou. Ainda lembro da recepção única que tive, considerando-se que veio de um funcionário da imigração: "Brazilian? You're very welcome", para espanto de uma menina de origem suiça, então minha namorada, que me acompanhava. Enquanto arregalava os olhos ela exclamou que "não sabia que brasileiros eram tão bem recebidos aqui". "Eu também não", respondi. Pouco mais de dois anos, após esta primeira visita, lá estava eu novamente.

Agora, acabo de voltar da minha terceira ida à cidade, e trago a sensação renovada de que lá ainda irei muitas vezes. O mais intrigante é que a cada visita a Dublin, faço questão de ir a alguns dos mesmos lugares que fui antes e, em seguida, acrescento alguma coisa nova à lista. É impossível ir a Dublin e não visitar o Trinity College (primeira foto de cima pra baixo), onde, estudou outro grande nome da literatura irlandesa, Oscar Wilde. Ficar diante do "Book of Kells", o livro sagrado do celtas, com suas ilustrações primorosas e texto, em latin, que não parece ter sido escrito, mas esculpido por mão divina, só é comparável a uma visita à principal biblioteca do Trinity, o mais fascinante templo do livro que tive o prazer de adentrar, em minhas viagens por esse mundo afora. Percorrer aquele longo corredor sob os olhares de cerca de 5 milhões de exemplares, é uma experiência única, incomparável, indescritível.

Uma frase atribuída a Joyce, diz: "Se um dia desaparecesse do mapa, Dublin poderia ser resconstruída através dos seus livros". O mais interessante é que escritores como Joyce tornariam possível a reconstrução não apenas de Dublin, mas do dublinense. Mais que a cidade, é o ser dublinense que está presente em sua obra. E Dublin retribui isso com um imenso respeito e demonstração de orgulho por seus filhos ilustres. Homenagens estão em toda parte. Dublin não os esquece. Dublin é a cidade que tem o único Museu do Escritor que conheço. As casas onde eles nasceram são todas preservadas ou transformadas em Fundações Educativas e Culturais. Agora mesmo, está em construção a belíssima ponte móvel, com um desenho em forma de harpa (foto acima), a ser inaugurada em 2010, e que ganhou o nome de Samuel Beckett. Todo dia 16 de junho é celebrado o Bloom's Day, em homenagem a "Ulisses", obra-prima de Joyce. Na saída de Dublin, no corredor que leva ao portão de embarque, você se despede de Dublin com uma sequência de belos painéis, com trechos de obras de alguns dos seus escritores.

Mas como Dublin sempre me acrescenta sensações novas a cada visita, não foi diferente agora. Não posso negar, no entanto, que foi surpreendente. Caminhando em direção ao hotel, já para pegar a minha bagagem e o caminho do aeroporto, ao atravessar uma das pontes do Rio Liffey, que divide a cidade em norte e sul, tive a sensação que estava atravessando uma ponte do Recife. Mais precisamente, a ponte Duarte Coelho, que liga a avenida Guararapes à Conde da Boa Vista. Mas não parou por aí. Tão logo o avião decolou, comecei a observar Dublin pela janela, à medida em que o avião ganhava altura. E aquelas luzes que iam ficando cada vez mais distantes, uma vez mais, me levaram ao Recife. Na minha mente passava o belíssimo poema "De um avião" onde João Cabral de Melo Neto descreve o Recife em camadas, visto de cima, à medida em que o avião ganha as nuvens. Eu abri um sorriso interno e pensei: "Recife deveria sentir-se tão orgulhasa de João Cabral, quanto Dublin é dos seus escritores." Neste sentido, Recife não tem motivos para invejar Dublin.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Memorial aos mortos dos ataques de 9/7 - faltou um nome





Suchocka, Günoral, Matsushita, Slimane e Badham, são alguns dos sobrenomes inscritos na lápide de mármore, junto ao memorial que recorda os mortos dos ataques que Londres sofreu na manhã de terror do dia 9 de julho de 2005. O monumento foi inaugurado este ano, com as presenças do Primeiro Ministro Gordon Brown e do Príncipe Charles, no dia em que os ataques completavam 4 anos. É algo que os ingleses sabem fazer muito bem: preservar a memória, seja ela gloriosa ou trágica. Às vezes até de forma exagerada. No mesmo Hyde Park, local escolhido para o memorial, há outro dedicado aos animais mortos durante a II Guerra Mundial, por exemplo.

Eu já havia visto o memorial na tv, mas passar entre aquelas 52 pilastras que homenageiam as 52 vítimas do brutal ataque, é completamente diferente. Não há como não sentir uma tristeza dessas que deixa a alma coberta por denso um manto de silêncio. É como ver materializada a brutalidade humana. Nomes que pareciam tão distantes, ilustres desconhecidos, números de uma matemática macabra, ganham origem, nacionalidade, proximidade, sobrenome.

Foi exatamente a leitura de alguns daqueles nomes que acentuaram em mim a sensação do quão absurdo é um ataque terrorista. O absurdo do ataque aleatório, onde as vítimas são escolhidas pelo capricho do acaso. Não foi um ataque contra civis ingleses, o que também não justificaria, foi uma ataque contra quem vive em Londres. Um ataque contra pessoas de diferentes origens: oriental, asiática, africana.

Ao mesmo tempo, aqueles nomes me remeteram a uma ausência. Algo estava faltando. Uma vítima daqueles ataques havia sido esquecida. Por um momento senti vontade de ter comigo uma ferramenta que me permitisse achar um espaço naquela lápide, para gravar ali o nome esquecido: Jean Charles de Menezes.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Paris e o encanto da distância







A primeira vez que fui a Paris foi em 1994. Cheguei exausto, depois de uma longa, embora agradável, viagem de trem, saindo de Barcelona. O hotel que eu havia reservado era pequeno, porém muito decente e aconchegante, situado numa rua perpendicular à Champs Elyssee. Na manhã seguinte, acordei com uma preguiça daquelas em que os lençóis, travesseiros e colchão se tornam os melhores cúmplices. E lá fora fazia frio e chovia. A única decisão que consegui tomar foi a de que pederia o café da manhã no quarto. Todo esforço exigido era esticar o braço alcançar o menu e o telefone. Devo acrescentar que fazer o pedido em inglês exigiu muito mais esforço.

Minutos depois, o presente: uma bela moça, usando um uniforme incompreensivelmente curto para aquela época do ano, era outubro, invadiu o meu quarto portando uma bandeja, um sorriso aberto e um longo "bon jour" entre os lábios. Foi-se a preguiça. Num instante eu estava sentado. Mas tudo o que respondi foi um "bon jour" nordestino. Nunca o francês fez tanta falta. Perdi a língua, enquanto os olhos acompanhavam os movimentos dela ao deixar a bandeja sobre a mesa. Me desejou "bon appetit" e, com a mesma graça com que entrou, me deixou.

Dia seguinte, eu já não estava tão cansado, embora tivesse caminhado muito no dia anterior, mas resolvi pedir o café da manhã no quarto. Sentei-me e esperei. Poucos minutos depois, o susto, a decepção: uma senhora tagarela que mais parecia uma das saudosas irmãs cajazeiras, entrou no quarto exibindo a delicadeza de um tufão. Colocou a bandeja sobre a mesa e, sem me consultar, puxou as cortinas e começou a apontar para fora e berrar: parri, parri. Repentinamente, virou-se e foi embora.

Mas sou teimoso e, no terceiro dia, voltei a pedir o café da manhã no quarto. "Deve ser um dia sim, outro não", foi o pensamento que me justificou o ato. E o pensamento não me traiu. A garota das pernas torneadíssimas e "bon jour" de seda, bateu levemente à porta e, após ouvir o meu "come in", estava ali à minha frente. E agora, o que dizer? Como abrir passagem para um diálogo se eu sequer sabia dizer que não sabia francês, em francês? Não precisou. Ela mesma tomou a iniciativa do diálogo com um surpreendente "você é brasileiro?". "Sou sim, mas como você descobriu?" A resposta veio seguinda de um dedo que apontava o meu passaporte sobre a mesa. Ela era uma estudante que estava fazendo pós-graduação em cartografia. Era paulistana. E eu não sabia que uma paulistana ficava tão bem falando "bon jour".

Mas por que estou contando esta história? Seguinte: eu estou há 4 anos morando em Londres e só fui a Paris uma única vez para fazer alguns programas para o Canallondres. Quando eu morava em São Paulo, fui a Paris umas 4 ou 5 vezes. O fato de saber que Paris está aqui ao lado acomoda ou faz diminuir o encanto. É a mesma razão pela qual fui tão poucas vezes ao Rio, mesmo morando cerca de 10 anos em São Paulo. Enquanto aquela bela moça pareceu um sonho distante, um impossível sonho parisiense, todas as minhas fantasias a desejaram. E como num lapso de um piscar de olhos me abandonaram, quando a familiaridade de um "você é brasileiro?" nos aproximou.