BlogBlogs.Com.Br

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Fotos de crianças na Internet. A nova paranóia inglesa.


Calcula-se que em Londres exista 1 câmera para cada 4 habitantes. A principal explicação para tanto olho eletrônico é óbvia: medo de ataques terroristas. Mas a obsessão com a segurança, em detrimento da privacidade, acabou contribuindo para que a polícia aqui resolva cerca de 90% dos crimes que investiga. É muito difícil mover-se em Londres por 100 metros sem ser capturado por um desses olhares indiscretos. Por isso, uma das primeiras medidas que a polícia toma ao iniciar a investigação é examinar as imagens de todas as câmeras nas proximidades da cena do crime, ou nas possíveis rotas de acesso ou fuga. Junto com o exame de DNA, talvez seja a tecnologia que mais ajuda a desvendar um crime.

Depois do lançamento do Canallondres, em abril desse ano, se tem uma coisa que a gente aprendeu foi que é preciso cuidado quando se está filmando nas ruas da cidade. Se você está com uma câmera ligada numa estação de metrô, num grande shopping ou na City, o coração financeiro de Londres, a probabilidade de ser abordado por um policial, ou segurança da área, é muito grande. Por isso, quando filmamos nas ruas só usamos a câmera pequena, porque é fácil se passar por turista. Para usar uma câmera maior, ou mesmo o tripé, só se você estiver filmando com autorização do Council (sub-prefeitura) local.

Só que agora uma outra paranóia toma conta dos ingleses. O nome é feio: pedofilia. Como a internet tem se revelado um campo fértil para atuação dos pedófilos, cresce nos ingleses o medo de que as fotos dos seus filhos acabem caindo numa das inúmeras redes de pedofilia que povoam o mundo virtual. A primeira vez que presenciei uma cena que era indício desse novo comportamento foi no pátio da belíssima Somerset House, cenário de tantos filmes e que, no verão, é palco para concertos e apresentações ao ar livre. Pois bem, naquele dia ensolarado, 4 meninas adolescentes se divertiam entre as fontes de água, que brotam do solo e formam uma espécie de labirinto transparente, quando um fotógrafo, portando equipamento profissional, começou a registrar as belas imagens. Foi o que bastou para se armar uma grande confusão, com os seguranças tentando confiscar o seu equipamento. No final, ele teve apenas que deixar o local, mas não sem deixar os seus dados pessoais em poder dos seguranças. Just in case. Isso tem se tornado um tema tão sério a ponto de, recentemente, uma avó ter sido abordada e obrigada a provar que a criança, que ela fotografava no playground de um parque, era a sua neta.

Recentemente, fui gravar um programa no Museum of London e o funcionário que nos acompanhou fez duas recomendações explícitas: não filmar uma série de fotografias na parede da recepção, por conta dos direitos de imagem e, muito menos, os estudantes que circulavam pelas salas e corredores do museu, naquele dia.

É por isso que, dos cerca de 80 vídeos do Canallondres, apenas um registra imagens de uma criança e, mesmo assim, porque ela está acompanhada da mãe, a cantora Rebeca Vallim, que era a nossa entrevistada. E ainda assim, economizamos ao máximo a exposição do filho da Rebeca.

Se esta tendência veio para ficar, a cada dia, vamos ver menos e menos rostos infantis nos perfis dos ingleses em sites de relacionamento. Claro que é uma pena que isso aconteça, mas o inglês, em seu pragmatismo, não pensa duas vezes quando o assunto é segurança. Por isso mesmo as câmeras se integraram tão rapidamente à paisagem londrina. Também é uma prova de que a internet mudou definitivamente os limites entre o público e o privado. É uma nova realidade com a qual a gente precisa aprender a conviver.

Tudo isso me faz pensar numa das mais famosas fotos do mundo. Estou me referindo à imagem em que um menino carrega duas garrafas pelas ruas de Paris, capturada pelo clique único de um dos maiores fotógrafos de todos os tempos, Cartier Bresson. Hoje, pelo menos aqui em Londres, provavelmente, aquela foto seria impossível.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Olá,
Você é muito bem-vindo.
Fique à vontade para
comentar, sugerir, opinar.