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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Um paraíso perdido



Em seu famoso poema "uma arte", a consagrada poeta Elizabeth Bishop construiu os seguintes versos: "Perdi duas cidades, eram deliciosas. E, / pior, alguns reinos que tive, dois rios, um / continente. Sinto sua falta, nenhum desastre." Eu perdi Cascais. Não, não demorou muito para que eu me desse conta da perda. Foi como se tivesse saído do paraíso por livre e espontânea vontade. Que louco faria isso? Bem, não me considero louco, mas confesso que fiz. Cascais é um desses lugares que todo mortal deveria ter o direito de conhecer antes de partir para o outro paraíso. Que, ao contrário de Cascais, eu não tenho certeza que existe.

As lembranças que carrego comigo: um copo com alguns dos grandes amigos que fiz ao longo da minha vida, na praça Luís de Camões; uma sobremesa numa doceria na Casa da Guia; o pub irlandês que tinha uma garçonete linda; o restaurante que eu ia comer um galeto e chavecar a filha do dono; o Pereira, tasca onde comi a melhor galinha de cabidela de todos os tempos; praia do guincho, com ou sem vento.

O outro lado do paraíso eu podia ver da varanda do apartamento que herdei do meu amigo Cássio Jeha, quando ele trocou o paraíso por Madri. Ele gostava tanto, que deixou lá a sua bicicleta e a prancha de surf. Queria ir, mas não queria muito. O meu carro ficava estacionado no calçadão em frente ao prédio. Às vezes esquecia de fechar o vidro da janela, tão relaxado e seguro que me sentia. À noite, eu adorava quando me faltava cigarro. Era só descer e andar pelas ruas desertas, sem a menor pressa de chegar ao posto de gasolina que ficava aberto 24 horas. Quando saí, passei as chaves para outro amigo brasileiro, o Marcelo Medeiros, que ainda tem a felicidade de morar no paraíso.

Pois bem, quando voltei lá este ano, para fazer um programa sobre Cascais para o Canallondres, Marcelo Medeiros foi o nosso guia. Fui apresentado a Cascais como se nunca tivesse estado lá. E foi fascinante ver o que perdi, através de outros olhos. De quebra, ainda fomos à Sintra, com direito à uma parada no deslumbrante Cabo da Roca, o ponto mais ocidental da Europa. A maneira de ficar mais pertinho do Brasil, para quem está pras bandas de cá. Mais especificamente, perto do meu Recife.

Perder Cascais só não foi mais penoso porque eu sei que Cascais está ali, não vai sair do lugar. Vai se sempre possível reencontrá-lo. Se você ainda não teve esse privilégio, só há uma coisa que eu posso dizer: você não sabe o que está perdendo.

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